Aquilo que mantemos dentro

Talvez um dos assuntos que mais chamou atenção na premiação do Oscar do ano passado, foi a manifestação contrária a um evento, onde a maior parte dos selecionados, bem como a maior parte dos vencedores era branca. Hashtags como #WhyOscarsaresowhite e #BlackOscars bombaram na rede e, muito provavelmente, isso foi um dos motivadores para que esse ano tivéssemos tantos filmes com personagens negros, dirigidos por negros e produzidos por negros em destaque, entre eles: Fences, ou como foi traduzido (muito bem, por sinal), Um Limite entre nós.

Denzel Washington e Viola Davis estrelam um dos filmes mais densos da temporada. Baseado na peça teatral homônima da Broadway, a qual deu à Denzel um Tony. Justamente ele, Denzel, além de protagonizar a história de Troy, também produziu e dirigiu o filme, assumindo um projeto quase panfletário, mas elegante, que se apoia nas atuações para marcar presença e chamar atenção.
Desde o trailer, passando pela primeira cena do filme, Um Limite entre nós já mostra a que veio. Dá o tom pesado ao enredo, deixando-o tenso e alongado, e dando aquela sensação de que não passa e não acontece até o seu desfecho. Sendo este ritmo, talvez, um dos grandes problemas do longa, justamente porque se apoia tão fortemente no texto teatral da peça, fazendo com que as cenas ficassem cênicas demais, lembrando realmente uma peça de teatro sendo gravada em vídeo. A distribuição dos atores em cena, bem como o jogo deles de trocar de lados, entrar e sair, gesticular e configurar os seus personagens, é muito bem marcado e a direção de Denzel, assim como a edição do longa, foram contidas e até um pouco sisudas, deixando o filme longo demais e com poucos momentos realmente memoráveis.

Na narrativa, não ficamos inteirados completamente do passado de Troy, mas compreendemos, desde o seu primeiro diálogo com Rose (Viola Davis) e Bono (Stephen Henderson) que existe uma insatisfação inerente em sua vida e que gere a narrativa inteira. Não compreendemos logo de cara a sua obsessão por não deixar o seu filho entrar no mundo dos esportes, ou mesmo de justificar suas poucas oportunidades de crescimento no trabalho com preconceito, por exemplo, mas conforme vamos ultrapassando o limite aparente desse personagem repleto de camadas, mais vamos nos inteirando de uma vida que se deixou contaminar completamente por frustrações passadas. Denzel gere com maestria esse personagem, mostrando que são íntimos e é apoiado por um elenco brilhante, de personagens que crescem.

Conforme o filme anda é que podemos ver a evolução dessas atuações incríveis, especialmente a de Viola Davis, que surpreende a cada novo personagem, não sendo diferente em Rose, que em apenas uma cena nos arrebata profundamente para, não só nos relacionarmos com ela, mas de compreendermos as suas questões. A Rose de Viola é carregada de significados, mostrando como concessões e pequenas partes de nós mesmos que abrimos mão, cobram um preço lá na frente. E se falamos aqui sobre a Jackie de Natalie ter essa aparente potência imagética atrelada aos seus objetivos, Rose, ao contrário, não pretendia parecer algo para os outros e sim para si mesma e essa diferença é substancial para entender a complexidade dessa personagem.
Além do conflito existente entre o casal protagonista, existe um conflito de sonhos e até mesmo de gerações, uma vez que fica evidente que Troy se recusa a acreditar, ou mesmo perceber, um mundo diferente ao que ele viveu a sua vida inteira, de modo que ao ficar de frente para seus dois filhos Lyons (Russell Hornsby) e Cory (Jovan Adepo), age no limite da inveja, do amor e da obrigação. É, de fato, uma relação bastante intensa, especialmente entre ele e Cory, com quem convive e precisa ver suas próprias escolhas refletidas nele. Essas são algumas das melhores cenas.
Ao final, a parte mais importante dessa história são as atuações, acalcadas por um roteiro de palavras pesadas, como o célebre comentário de Bono sobre as cercas que Rose tanto queria em seu quintal:
"Algumas pessoas constroem cercas para manterem os outros fora e outras constroem cercas para manterem as pessoas dentro".
Fazendo um adendo, nesse filme temos certeza que também existem pessoas que constroem cercas ao seu redor, para sobreviver, reviver e não ver.
Pitacos: Apesar do Roteiro denso, acho que a premiação nessa categoria precisa levar em consideração a passagem que é feita da obra anterior para o cinema, no caso, o que a gente viu foi um roteiro apenas transpassado para a grande tela. Particularmente, não acho que leve. Também não deve levar de Melhor Filme. Acredito que é o franco favorito de Melhor Atriz Coadjuvante, já que Viola já faturou outros prêmios nesta temporada. Tenho dúvidas se leva Melhor Ator, mas existe essa possibilidade. Ainda estou torcendo para Viggo nesta categoria.
Indicações: Indicações: Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Atriz Coadjuvante, Roteiro Adaptado

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