Perdas

Não é de hoje que as premiações internacionais visitam festivais com uma pegada independente para ver o que está sendo produzido e quais são os atores, diretores e visionários que devem ficar de olho. Foi o que aconteceu com o filme O Artista e também com o diretor Alejandro González Iñárritu, que depois de sua aparição estrondosa em Sundance, pegou Hollywood pela mão e fez dois filmes seguidos que lhe renderam o Oscar de Melhor Diretor (O Regresso e Birdman). Esses são apenas alguns, já que nas categorias de Filme Estrangeiro, Documentário, Curta-Metragem e Animação, essa incursão pelo lado "festivalesco" do cinema é o que, basicamente, supre a safra anual de indicados.

Daí que este ano, Manchester à beira-mar foi uma dessas apostas pesadas. Dirigido por Kenneth Lonergan (de Gangues de Nova York), o filme independente e melancólico, saiu aplaudido de pé do já citado Sundance e do TIFF, chamando atenção das premiações da temporada. Com Casey Affleck, Michelle Williams e o estreante Lucas Hedges, o filme ficou tão bem contado, que o assisti com altas expectativas, mas acabou sendo o Foxcatcher da temporada.
Manchester à beira mar conta a história de Lee (Casey), um homem que carrega consigo uma instabilidade inerente e uma estranheza perturbadora, que o torna antissocial e difícil de lidar. Lee recebe uma ligação, avisando que o seu irmão Joe (Kyle Chandler) morreu, o que dá início, verdadeiramente, à história. Até aquele ponto, não dá para entender plenamente a edição do longa, que mistura lembranças, sonhos e cenas do passado, enquanto narra o retorno de Lee, o reencontro com os seus demônios e a sua mais nova responsabilidade, que é a de tomar conta de seu sobrinho órfão Patrick (Lucas Hedges).

Trata-se de mais um filme sobre família (mesmo que não apenas), na verdade, daqueles que vão tratando de questões íntimas das relações entre irmãos, pais e filhos, e mãe e pai. É perceptível como essas relações, que no filme demoram para se tornarem claras, demarcam a personalidade de cada um desses indivíduos, bem como determinam o papel de cada um deles dentro dessa família. Interessante também, como o enredo é construído no que não é dito claramente, nos gestos, olhares e explosões repentinas, especialmente as de Casey Affleck, que entrega um personagem intenso em todas essas ações e que não fala quase nada.
Manchester à beira mar é um filme que demora para se desenvolver (e na verdade, nem se desenvolve plenamente), o passado, bem como o futuro são fabulações para que nós preenchamos, assim como a verdade por baixo de cada um desses personagens. Lucas Hedges e Michelle Williams roubam a cena, principalmente Michelle, que interpreta uma ex esposa que tenta fazer as pazes com o passado perturbador que a assombra e nos poucos momentos em que aparece, demonstra a sua extensão como atriz. Já Lucas, o estreante da temporada, entrega um jovem repleto de sonhos, vontades, popular, mas que tem uma estranha insegurança sobre si mesmo, que é preciso ser visto nas entrelinhas. Em uma atuação consistente, o jovem ator nos deixa ansiosos para ver o que fará em seguida.

Com um roteiro que brilha na sua constituição, sendo o principal ponto do filme, Manchester, na verdade, trabalha com a sutileza das suas cenas e deixa para o diretor e o elenco trabalharem as suas mensagens, de modo que tudo é feito dosadamente e com algum significado. Particularmente, achei a trilha muito óbvia e um pouco exagerada, o que não combinou realmente com a proposta do filme, mas em questão de fotografia e direção de arte, o filme mantem o tom de seus personagens e é notável como eles transmitem as evoluções das relações e as descobertas de cada uma delas.
De modo geral, não é filme mais forte da temporada, nem entrega os elementos mais poderosos, mas tem uma certa potência, além de mostrar um outro lado de Kenneth, dirigindo fora de Nova York, sendo mais internalizado, mais sutil e mais humano. 
Pitacos: Sinceramente, não acho que tenha gabarito para desbancar Moonlight e La La Land em Melhor Filme e Barry tem a minha total torcida para Direção. Apesar de este ter sido o melhor trabalho de Casey Affleck, Viggo e Denzel ainda tem chances. Michelle merecia esse prêmio, mas minhas apostas estão com Viola. Lucas é um ator jovem e que está inciando a sua carreira agora, não acho que vença de Dev e Mahershala Ali. Minhas apostas com esse filme estão em Roteiro Original, já que é este elemento que salta aos olhos no filme e que rege todo o resto.
Indicações: Melhor Filme, Direção, Ator, Atriz Coadjuvante, Ator Coadjuvante, Roteiro Original.

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