A odisseia de Dick Whitman

[review com spoiler]


Mad Men foi uma das séries que mais me marcaram e mesmo que já tenha  terminado há um tempo, achei importante voltar nela por motivos acadêmicos e meramente observatórios, depois de ler alguns daqueles textos que dão nós na nossa cabeça.
Deixa eu começar falando, que nesse review, apesar de terem spoilers, tô querendo fazer uma composição um pouco diferente de uma resenha comum, não tô querendo me ater a aspectos que você, muito provavelmente, já leu sobre, mas tô querendo falar especificamente do final, que tem tudo a ver com a narrativa de Don e o seu lugar no mundo.
Para quem acompanhou a série, deve se lembrar de como, aos poucos, fomos nos encontrando com um tal de Dick Whitman, a identidade verdadeira e derradeira de Don Draper (Jon Hamm). Um personagem que, numa sucessão de encontros e desencontros, vive numa melancolia (por falta de palavra melhor) de si mesmo. Até ler alguns textos para o doutorado, eu fiquei tempos tentando entender de onde vinha essa melancolia e porque ela poderia ser tão persistente nesse personagem que, em via de regra, parecia tão completo. Daí me bateu, talvez Don sentisse nostalgia de Dick.
Calma, não estou falando que ele sente falta de viver nas condições que ele vivia. Mas tem algo mais aí...

Dick foi para guerra, mas quem voltou foi Don, que sentiu que aquela oportunidade a qual tantos de nós humanos queremos, pudesse ocorrer: começar de novo, sem que ninguém te conhecesse. E foi o que ele fez.
Construiu uma nova vida, sem se parecer com Dick, mas buscando seus maiores almejos. Uma boa grana, uma linda família de comercial de margarina, um bom trabalho que desse a boa grana, uma boa casa: the American dream.
Mas e Dick?
No processo dessa nova existência, Don suprimiu Dick e o colocou em um bolso de trás, num lugar onde o esquecido se balanceia com o lembrado e é lindamente subjugado, mas como venho observado na academia, para lembrar é preciso escolher o que esquecer, mas nem sempre essa escolha é possível de se manter estável. Na verdade, nossas sombras sempre acabam voltando de um jeito ou de outro. E Dick veio a tona.
Com a sua própria vida indo a loucura e o que ele tinha construído para si como perfeito simplesmente acabando, é aí que traz de volta a lembrança daquele Dick deixado para trás, seja na visita inesperada de seu irmão que se suicida; na forma como Betty descobre que ele tem outra identidade; na sua decisão de não mentir para Megan sobre seu passado; na perda de Ana...
O ponto é: Dick nunca foi embora de verdade.

Dick ainda estava em guerra, estava um lugar inóspito, sem a possibilidade de voltar quando quisesse e lutando para fazer algum sentido sobre o que é um lar. Dick não tinha para onde voltar, então volta como Don, mas a partir do momento em que Don percebe que ele também não tem para o que, ou quem voltar, Dick tem a chance de voltar da guerra.
Odisséia significa "a volta do herói, depois da aventura" e nesse processo que vimos em Mad Men, que pode parecer extremamente depressivo, num primeiro momento (da mesmo forma a qual eu achei que foi, da primeira vez que assisti), e totalmente desconsertante na nossa concepção de um final digno desse personagem, deixamos escapar a complexidade dessa camada de odisseia sobre a cena final.
Don construiu para Dick o que ele acreditava ser um lar e fez isso mais de uma vez. Don pavimentou o caminho para que Dick retornasse de sua aventura ileso e, em algum momento depois, pudesse viver isso. Don fez o possível para Dick tivesse uma razão para existência e que ele se sentisse amado.
Mas Dick nao se identificava de verdade com nada disso.
Entre as mentiras, as angústias e até a necessidade de ser outra pessoa, Dick retorna continuamente como uma sombra esquecida de propósito, mas não apagada. Dick está intrínseco nesse homem e não se dará por satisfeito, enquanto estiver em guerra.
Na cena final da série, meditando e sorrindo, Dick chegou em casa e não no sentido físico da palavra, não no interesse de conquista de bens e de realização de um sonho que parecia precisar de Don para se concretizar. Mas em casa por ter simplesmente se deixado ser ele mesmo e abraçado sua história e seus demônios. Dick finalmente voltou da guerra.

Volta Triunfal

[review sem spoilers]
Na noite passada eu terminei de assistir a série do YouTube Red Cobra Kai e devo dizer que concordo com o que estão dizendo, de ser uma das melhores séries (até então) que estrearam esse ano.


Numa expansão do mundo de Karatê Kid, que é um dos grandes sucesso da sessão da tarde, Cobra Kai acompanha os dois grandes personagens, Daniel LaRusso (Ralph Macchio) e Johnny Lawrence (William Zabka) 30 anos depois do torneio que Daniel venceu Johnny e, aparentemente, mudou tudo na vida deles e das pessoas ao seu redor.
A série tem um ritmo bem descontraído e conta uma narrativa até que simples, mesmo que faça um movimento importante, invertendo significativamente a lógica maniqueísta do filme de origem. Talvez essa inversão tenha a ver com o episódio de HIMY em que Barney explica porque Johnny é o verdadeiro Karate Kid (que faz total sentido), ou talvez não, mas dessa vez temos mais do que o vilão e o mocinho, de modo que outras nuances desses personagens são exploradas, especialmente Johnny, que era o simples e babaca bully.

Os atravessamentos de outros personagens do filme, como os respectivos senseis, as figuras paternas e maternas e Ali, foram determinantes para quem esses caras são hoje e isso é resgatado continuamente, além de aparecerem de fato (ou não), através desses atores também 30 anos mais velhos, das lembranças que eles deixaram e/ou seus flashbacks do filme. Esse jogo do antes e agora é uma das melhores partes da série, que traz aquela nostalgia que quem viu e reviu o filme tanto estava querendo e ao mesmo tempo é importante para revelar uma série de outras questões que o filme não mostrou.
Com cada episódio de 30 a 40 minutos, Cobra Kai tem leveza na história que conta e introduz uma releitura dos acontecimentos do filme, através de uma segunda geração muito parecida (só que totalmente diferente) da dos anos 80. Essa geração, pelo menos na primeira temporada, é significativa para criar um diálogo com o passado também, de modo que a sua presença não é simplória e sim coloca tudo em diálogo.
Se viramos a cópia de nossos pais, é preciso levar em conta, então, quem é o pai, não é verdade?

Particularmente, ver uma série que, mesmo que beba dos anos 80, não permanece apenas nele é gratificante, simplesmente porque isso indica que ela não vai se perder em si e muito menos ficar obsoleta daqui uns anos. Mais ainda que tem personagens que já fazem parte do imaginário da cultura pop, assim como das nossas lembranças infantis/adolescentes sendo resgatados lindamente!
Karatê está de volta e parece super estiloso, viu?! 

*Cobra Kai está disponível no Youtube, os dois primeiros episódio são gratuitos e os oito seguintes são pagos.