É muito comum o cinema se inspirar em grandes personagens para contar histórias. Já aconteceu com Frida, com Piaf, Jane Austen, para citar algumas poucas. Na recente temporada, Jackie Kennedy é a inspiração da vez, num filme tocante, pesado mas que dá à Natalie Portman e Jacqueline todo o espaço para brilharem e serem dignas de aplausos.
Conhecida pelo seu impecável gosto por moda e sua elegância, Jackie Kennedy sempre esteve na lista das mulheres mais bem vestidas de todos os tempos e até mesmo virou um dos símbolos femininos dos anos 60, mas a verdade é que pouco se sabia sobre seus sonhos, suas ambições e, claro, sobre sua vida pessoal como um todo. Além de rumores, como o de uma ligação que Marilyn Monroe teria feito, informando à Jackie que ela era amante de seu marido; a vida dessa primeira-dama entrou pouco na roda, até que, em 2014, ela passou a ser tema novamente, quando cartas suas endereçadas a um padre irlandês foram encontradas. Justamente em cima dessas cartas e de uma entrevista que ela cedeu ao jornalista Theodore H. White, da revista Life, que o roteiro de Jackie se baseia.
Além da impecável edição, do figurino requintado e do roteiro incrivelmente bem amarrado, logo de cara, o que impressiona no filme é Natalie Portman. Assim como já aconteceu em filmes que levam o nome de uma personagem histórica, como os já citados Frida e Piaf, a narrativa precisa de uma atuação intensa para que se desenvolva. No caso de Jackie ganha um forte fôlego com uma transformação visual, deixando Natalie realmente parecia com Jackie, dentro do possível, ao mesmo tempo que a assinatura de Portman está presente, já que é uma atuação baseada em olhares, gestos e até a forma de falar.
A Jacqueline de Portman é contida, quase frígida em alguns momentos, mas envolvente na sua força e imposições. As cenas de arquivo são impressionantes, pois é quase possível confundir a intérprete com Jackie. Essa Jacqueline não dá espaço para falsas interpretações, principalmente ao conversar com Theodore, deixando claro que ele só vai publicar o que ela autorizar. Imagem era, obviamente, muito importante para essa ex primeira dama.
Mas as coisas não são tão simples assim. Na verdade, a construção que o roteiro faz, que em alguns momentos me lembrou 7 dias como Marilyn, ironicamente; é de que a busca por grandiosidade e reconhecimento era o que ela verdadeiramente buscava, e não apenas para si, mas para John, com quem ela mantinha um casamento político, mas devoto. Jackie realmente viveu para deixar a marca do marido no mundo, tanto que somos levados a crer que o espetáculo televisionado que se deu após o assassinato de J.F.K foi o grande responsável por não deixar que o 35º presidente dos EUA fosse esquecido. Nem pelos compatriotas e nem pelos estrangeiros.
Boa parte do filme é ambientado no ambiente "doméstico" de Jacqueline, seja em sua casa no Massachusetts, seja na Casabranca. Apesar do tom "bela, recatada e do lar", é interessante perceber que a real intenção disso, era de mostrar que existiam muito mais coisas dentro da necessidade de ser reconhecida como um exemplo de mulher. Em determinado momento ela diz: "Royal takes time!" ("Realeza demanda tempo!"), ao ser comparada com as princesas inglesas. Ela complementa dizendo algo como: "We didn't have time!" (Nós não tivemos tempo!), marcando a sua frustração por não ter podido deixar a sua marca. Partindo daí, uma segunda discussão se abre, em torno do papel de uma primeira-dama. Ela é um acessório? É um joguete público para ter apelo às mulheres? Tem algum poder realmente, ou é apenas um poder aparente?
Bom, Jackie explora todas essas questões, mostrando além da Jacqueline publicamente impecável o tempo todo, apostando em uma mulher com diversas fragilidades, vários momentos de entrega ao trauma e repleta de medos. Os papéis interpretados pela pessoa pública, atravessados pelo acontecimento da morte do marido, até a forma como ela conduz a entrevista de Theodore são indicativos de uma vida que se tornou sem propósito e a última cena ~no spoilers~, em que ela admira o seu próprio legado, deixa dúvidas quanto ao tipo de legado que ela gostaria de ter deixado.
Brava!
Brava!
Pitacos: Concorrendo a três estatuetas, Jackie tem a minha torcida para Melhor Atriz para Portman. Para mim, quando o filme se baseia completamente na atuação de alguém, merece ter esse tipo de reconhecimento. Ainda é possível que perca essa estatueta para Isabelle Huppert de Elle, que está sendo muito bem cotada. Além disso, é um forte concorrente para figurino, mesmo que eu ache difícil desbancar La La Land e Animais Fantásticos, ao mesmo tempo. Melhor trilha Sonora não preciso dizer quem é o favorito, né gente?!
Indicações: Melhor Atriz, Melhor Figurino, Melhor Trilha Sonora.