Um delicado retrato da chegada da vida adulta, de uma forma intimista e ao mesmo tempo, distante o suficiente. Este é A Falta que me faz, documentário brasileiro dirigido por Marília Rocha.
Há pouco mais de um ano, eu tive a oportunidade de ter aulas com Marília Rocha. Cineasta mineira, que, além de ter muito o que ensinar, demonstrava uma sutil preferência em retratar delicadezas e histórias que falassem um pouco sobre o ser humano como ser complexo e repleto de nuances. Em várias das aulas que tivemos, Marília citou o longa metragem A falta que me faz, porém ela nunca mostrou o filme inteiro para a turma, o que deixou a todos nós num estado brutal de curiosidade, apenas saciado este mês, quando pude conferir esse documentário.
O filme acompanha durante alguns dias quatro meninas que vivem numa comunidade mineira, um pouco afastada dos grandes centros urbanos. Alessandra, Valdênia, Priscila e Shirlene compartilham com Marília um dia a dia de amizade, família, desavenças, amores e constante espera, seja essa espera ligada à chegada de seus filhos (algumas delas estão grávidas), seja pela chegada de seus companheiros, seja pela chegada da vida adulta e tudo o que isso implica.
Bom, o que fica muito bem registrado em A Falta que me faz, é que Marília se colocou num lugar de intimidade tal com essas meninas, que elas se sentiam muito a vontade para discutir e até revelar segredos, expectativas e sonhos com ela, de modo que nos aproximamos fortemente, através das lentes da diretora. Em algumas cenas, como a de Alessandra e Canarinho (o responsável pelo som do filme), elas até parecem se despir de convenções e deixar claro o quanto sentem falta de uma vida que não tiveram e que provavelmente não poderão ter, por causa da condição a qual estão inseridas. Fica claro que falar do futuro é um desafio para elas, porque suas perspectivas giram em torno de uma realidade que não parece ser capaz de mudar, repetindo-se o que as mães e avós delas fizeram.
Outra características realmente marcante no documentário, é a falta da presença masculina. Não apenas porque se trata de um filme iminentemente feminino, dirigido por uma mulher, sobre mulheres e com questões muito intrísecas desse universo, mas porque os homens nessa vila, quando chegam a uma determinada idade, debandam para as cidades vizinhas em busca de emprego, só retornando aos finais de semana, quando todos eles se encontram no forró.
É impressionante como, mesmo inseridas numa realidade diferente da nossa, as meninas falam de sentimentos e angústias universais, muito mais ligadas à chegada de uma certa idade, do que com uma situação econômica/social. Talvez porque sejam aflições verdadeiramente humanas, ligadas à nossa existência, a identificação com elas acontece de modo intenso e real. Quase nos tornamos amigas delas.
Quando termina, o que fica é a sutileza com que a narrativa é construída, de modo que ela não pede nada mais do que tempo para ser contada e as uma hora e vinte que passamos conhecendo essas meninas marcam de modo intenso quem já passou, ou está passando por aquele momento decisivo, em que a vida se transforma realmente.
A Falta que me faz faz parte da minha lista de 24 filmes para 2016, proposta pelo Blogs que Interagem, na categoria Documentário.
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