E eu aqui achando que a crise dos 20 e poucos anos era coisa dos anos 2010. Dessa geração a qual eu me incluo e que vive meio louca, cheia de possibilidades e de repensar escolhas tortas. No filme noventista Reality Bites, percebi que, na verdade, somos todos filhos de uma época que nos deu tudo e como pedágio, cobrou o nosso crescimento rápido e desmedido. "You gotta grow up sometime".
Reality Bites é um filme sobre a chegada de uma idade. O adeus à juventude e a tomada de responsabilidades importantes, que vão afetar a sua vida e também a dos outros ao seu redor. No longa, acompanhamos quatro melhores amigos, Lelaina (Winona Ryder), Troy (Ethan Hawke), Vickie (Janeane Garofalo) e Steve (Steve Zahn); eles acabaram de se formar e começam a viver uma vida cheia de dúvidas e questões que só poderão ser resolvidas com o tempo, mas sentem que precisam se cobrar constantemente. Lelaine, por exemplo, sempre foi a expectativa de um futuro brilhante, de modo que seus pais deixam claro o quanto acreditam que ela poderá ser a melhor no que ela escolher fazer da vida. Logo, a moça se encontra numa encruzilhada de acontecimentos que a fazem questionar as suas próprias decisões o tempo todo e até se sentir frustrada por não conseguir chegar no tão esperado lugar de sucesso. Além dela, temos os outros 'estereótipos' de jovens adultos do período, sendo colocados à frente de algumas situações que estavam acontecendo com mais frequência naquele período e agindo diretamente no modo de vida deles, tais como a AIDS, o homossexualismo e a falta de perspectiva.
Intermediário ao que nós acompanhamos como espectadores, também podemos ver cenas do documentário que Lelaina está fazendo dos seus amigos, cenas que são de uma estética mais ligada ao home video, mas que enriquecem o longa, pois escancaram de um modo mais consistente as crises existenciais de cada personagem. É graças a esse recurso que nos deparamos com um dos principais pontos do filme: a perda de tempo que angustia na busca pela estaibilidade - seja ela qual for, de uma geração sem modelos de vida e ídolos.
O contraponto da história é apresentado por Michael (Ben Stiller), um cara que alcançou o sucesso com pouca idade e que se realizou de modo a causar um estranho desconforto nos amigos, mesmo que de modo diferente em cada um deles. Fica clara a existência de diversos tipos de caminhos e que a felicidade pode ser tão momentânea quanto um 'oi', assim como podemos ver no intenso diálogo entre Troy e Lelaina sobre cafés. De repente você se pergunta o motivo de uma nota de cinco reais e uma boa companhia não serem o suficiente para trazer alegria.
Até esse momento o filme vai trazendo ótimas reflexões e apertando diversas feridas que até hoje, mais de 20 anos depois, aparecem. Só que aí a realidade morde (desculpem o trocadilho) e o filme muda de figura, se transformando na síntese do seu cartaz. Algo entre uma boa tentativa de comédia offbeat e uma péssima crítica à comédia romântica.
Sem mais atrativos técnicos e sem atuações espetaculares, Reality Bites serve de exemplo para ver o que o cinema indepentende aprontava no começo dos anos 90, mas demonstra uma certa fragilidade em manter a discussão de temas mais profundos e criar personagens com nuances mais contundentes, sem que eles tenham que 'apelar' para o romance. Talvez o tempo tenha demonstrado que é possível fazer esse tipo de abordagem funcionar, como já vimos em diversos filmes mais recentes, mesmo assim, precisamos lembrar que, mesmo 20 anos depois, ainda nos afogamos nos medos de não conseguirmos ser quem achamos que devemos ser. Por isso, vale a assistida.
Reality Bites está na minha lista de 24 filmes para 2016, proposto pelo Blogs que Interagem, na categoria Da Década de 90
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