Apesar de ser classificado como uma comédia, a densidade tensa e o clima de constante drama norteiam verdadeiramente esta história, que conta com as fantásticas Meryl Streep e Julia Roberts como guias nesta profunda narrativa familiar chamada de "Álbum de Família".
Não se engane pelo cartaz, onde é possível ver Julia Roberts agredindo Meryl Streep. O cartaz não vende completamente a história e por mais que ele tenha tudo a ver com o enredo, você pode ser como um dos adolescentes mal informados que assistiram a este filme comigo, fazendo barulho e reclamando pelo ritmo pesado da trama. Pesado mesmo, porque o filme não tenta ser leve. Na verdade faz questão de se mostrar duro e incomodar profundamente quem assiste, mostrando numa só família alguns dos dramas familiares mais comuns, como uma filha que se sente excluída, uma mãe que só vê desgosto em um filho, uma adolescente que se acha adulta e uma geração que se acha tão diferente da anterior.
Com isso em mente, começamos a história: Violet (Meryl Streep) é uma mulher com câncer e viciada em medicamentos, que mora sozinha com o marido Bervely (Sam Shepard) que é alcoolátra. Bervely decide contratar ajuda para cozinhar para eles e também para tomar conta dos dois, porém descobrimos com o passar da narrativa que essa decisão do patriarca tem a ver com os seus planos de desaparecer. E assim ele o faz. Violet entra em parafuso e resta às suas três filhas retornarem às origens para tentar dar algum conforto e cuidar de sua mãe. Barbara (Julia Roberts) é a mais velha e também a mais promissora das irmãs, pelo menos é assim que ela parece ser "vendida" por Violet. Ivy (Julianne Nicholson) é a do meio e a única que ficou morando perto dos pais. Ela parece ser a mais sensível e abnegada das irmãs. Karen (Juliette Lewis) é a caçula, aparenta ser a desmiolada e incosequente. Um reencontro depois de tantos anos separadas não poderia dar em boas coisas, tanto é que logo nos encontramos no meio de um fogo cruzado, extremamente relacionável.
É perceptível nesta história que, da adolescente à matriarca da família, todos tem questões irresolvidas um com outro e por isso se puxam e empurram ao limite, testando a paciência e até mesmo o amor de família. Jean (Abigail Breslin) é uma mistura das imperfeições de seus pais e é a personagem mais incerta da história, já que é a mistura de duas famílias diferentes, ou seja, um pai (Ewan McGregor) liberal e cult, com uma mãe (Julia Roberts) tradicional e controladora, tanto é que chegamos a esquecer várias vezes que ali se trata de uma garota de 14 anos.
Fato que existe um exagero na representação desses dramas familiares e fica parecendo que "todo mundo tem um drama", mas o elenco fenomenal do filme nos leva a crer que tudo aquilo é possível. Meryl está absolutamente impressionante, em uma persoangem dissimulada, que compete com as filhas, sofre de auto-piedade e tem complexo de autoridade, o qual não admite ser questionada.
Na outra ponta encontramos Julia Roberts, que é um presente nesta história! Sua persoangem tenta e luta contra todos os sinais que indicam que ela seguirá os passos da mãe. Ela tenta ser mais paciente, mais serena e até mais parecida com o pai, sendo capaz de se cobrar pelos erros cometidos, mas todo o círculo da história parece nos levar a crer que "para aquele que a responsabilidade reside, da família deve cuidar".
Quem mais me chamou a atenção na história foi Little Charles (Benedict Cumberbatch), que mostra um lado completamente diferente seu, do que visto em trabalhos anteriores como Star Trek e Sherlock Holmes. Little Charles passa longe do homem seguro de si, irônico e sarcástico, passando a ser sensível, atencioso e ingênuo. Se não tivesse visto com meus próprios olhos, nunca diria que Benedict poderia ser ingênuo.
Vale dizer aqui, que o texto primorosamente escrito por Tracy Letts foi adaptado de uma peça de teatro, também escrita por ele, consegue passar essa atmosfera teatral com poucas cenas externas, poucas mudanças de cenário e uma intensa aposta em olhares, feições e voz. A síntese desse fato e também da própria essência do filme está na longa cena do jantar em família, onde todos os dramas vêm a tona e todas as questões desta família ficam a flor da pele. De modo geral, "Álbum de Família" não é um filme de final de semana, mas também não é filme dispensável. Nele enxergamos aquilo que mais tememos, somos todos os reflexos de nossos pais.
"Álbum de Família" está concorrendo aos Oscars de Melhor Atriz (Meryl Streep) e Melhor Atriz Coadjuvante (Julia Roberts). Confira a lista completa aqui.