Quando eu paro para pensar sobre a popularidade de Jogos Vorazes e a potência que a franquia tomou, tanto em termos midiáticos, -sendo, o tema da minha dissertação de mestrado por esta razão - quanto em termos de cultura pop e fandom (termo que designa a cultura fã), não consigo deixar de me perguntar até que ponto esta história realmente move (ou é capaz de mover) as pessoas? Ou mesmo se estas pessoas tem noção da complexidade da trilogia criada por Suzanne Collins.
Bom, depois de assistir ao último filme da saga eu me pergunto estas duas coisas ainda mais profundamente...
Jogos Vorazes não é, como muitos desavisados podem pensar rapidamente, apenas mais uma franquia da cultura pop, ou mais um distopia popular, porque tem seus protagonistas jovens e inspiradores. Não. Jogos Vorazes é uma trilogia violenta, ou como William Irwin, professor da King's College, Pensilvânia, chamou: "um mundo emocionalmente violento", que te corroi como leitor de diversas formas. É uma trilogia que se foca na completa perda da infância, da inocência, de ser incorporado como um peão dentro de uma questão política, de perder completamente a esperança e, quando o fim chegar, valorizar cada uma dessas coisas para encontrar algum alento.
Mas não sei o quanto se extrai disso.
Ou melhor, não sei o quanto o filme auxilia em extrair isso tudo.
Veja bem, minha dissertação não gira em torno de estudos de recepção, muito menos em tentar me inserir no fandom dos JV (até porque me considero uma fã), logo não poderia atestar se toda essa sensação de desalento e perturbação é sentida por eles, ou se toda a admiração fã gira em torno da proporção que o fenômeno tomou, mas é sim, meu dever e minha vontade explorar esta obra de modo complexo e profundo, justamente porque acredito que uma obra tal como esta se complexifica a cada nova visada e de diferentes formas, criando desdobramentos tão emaranhados e tão significativos quanto o seu núcleo principal. E este estudo me motiva a perpassar pela razão de tal popularidade, pensando se isso não tem a ver com um espírito de época contemporâneo, uma zeitgeist.
Sim, por que se critica o entretenimento e a sociedade do espetáculo apresentando exatamente uma peça completamente imersa no entretenimento e no espetáculo. Isso mexe comigo e principalmente, como não esquecer dos gritinhos apaixonados das adolescentes no cinema, depois de trocas de beijos entre Katniss e Peeta?!
Mais ainda: porque estamos tão fascinados com as distopias? Porque nos envolvemos tão intensamente com um enredo violento, psicológico e cruel, sendo que, aparentemente, não conseguimos ultrapassar o olhar apaixonado de Peeta?
Bom, não são questões que poderão ser completamente respondidas, muito menos serão desenvolvidas em torno de achismos, mas acho (risos) que é possível pensarmos sobre os elementos que mais marcam nessa narrativa e nesse mundo criado por Suzanne Collins, de modo a procurar traçar um percurso que nos mostre algo a mais, mas é algo que já está ali, no final perturbador de Jogos Vorazes.
Quero relatar que quando dei início à minha dissertação, não imaginava que o meu objeto fosse ficar tão amplo e intricado quanto tem ficado e conforme me torno mais íntima dessa obra e suas ramificações, mais penso que não poderia fazer esta crítica, sem antes trazer estes "dramas" em pauta. Também tinha que fazer as coisas um pouco diferente nesse review, pelo simples fato de que quero me focar num detalhe especificamente: o final, literalmente. Mas não se preocupe que não darei spoilers ;)
Dito isto, eis o que tenho a dizer de A Esperança: o final:
O primeiro ponto é que quero ultrpassar o discurso da maculação da obra original, não é meu objetivo e nem quero que esse parecer fique soando que estou colocando uma sobre a outra e dizendo que a primeira é melhor que a segunda. Não. Nem mesmo acredito nisso e penso que os filmes cumpriram e vem cumprindo o seu papel majestosamente.
O segundo, é que quero ir além das questões técnicas do filme, seus enquadramentos, muito bem engendrados para o estilo cinematográfico escolhido; as cenas de ação brilhantemente bem ensaiadas, repletas de mortes "indolores" e rápidas; seu worldbuilding belíssimo e seco (ao mesmo tempo), lembrando um lugar realmente em zona de guerra, mas sem perder o tchan que os figurinos dos moradores da Capital dão; ou mesmo pretendo me alongar elogiando Josh Hutcherson, Jennifer Lawrence e demais elenco pelas atuações. Isso todos já fizeram e sinceramente, eu quero o final!
Por que: que final perturbador tem Jogos Vorazes no livro, hein?! Um final de mexer com você de forma psicológica e quase física. Um final que te leva a questionar até que ponto se pode levar alguém ao limite consecutivas vezes, até que o seu limite desapareça, ou que a pessoa enlouqueça. Até que ele deixe de ser um humano. Que discurso é esse, de bem maior, que compele a personagem a se sentir com sentimentos de bestante? Que realidade é essa, sacal, a qual eles precisam viver com aquilo para sempre e precisam se voltar, com armas e sentimentos, sendo eles de dois gumes, para um culpado?
É um final raivoso. Onde o verdadeiro sentido de esperança é resgatado apenas quando é possível se seguir em frente, mesmo quando o que resta é a costa de uma cadeira e um livro repleto de histórias de horrores, quando o humano era subjugado e a lembrança de que isso não se repita permeia a vontade de ir em frente. Endossa a esperança.
E que final doce nos espera na conclusão das duas horas e meia de A Esperança: o final. Ainda mais doce acompanhado dos suspiros deliciosos que soltaram as adolescentes no recinto, juntamente com a sensação de que tudo bem, o terror passou, agora é possível se deitar sobre uma campina verdejante e suspirar que existem Jogos muito piores do que aqueles. Sinceramente, a psiquê de Katniss fez falta e pela primeira vez eu lamentei profundamente que o filme foi feito em terceira pessoa...
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