Uma série sobre adolescência, mas mais do que isso, uma série sobre o que significa ser adolescente e todas as questões chamadas, muitas vezes erroneamente, de "Dores do Crescimento" (Growing Pains), e como andamos banalizando isso.
Antes de falar propriamente da série, eu preciso contar para vocês que resolvi fazer essa review um pouquinho diferente, traçando um caminho mais pessoal e que, talvez, se pareça mais com a sessão "Sobre" daqui do #Mesa. Dito isto, conto pra vocês que fui uma adolescente sem tantos 'problemas'. Não me lembro de muitos momentos de 'vexame', de drama, ou mesmo de rebeldia. Sempre cumpri os meus horários, era uma boa aluna, tinha grupos de amigos e malmente usava as redes sociais digitais (que começaram a se popularizar mais ou menos quando eu estava com os meus 15 - 16 anos). Mas foi impressionante o quanto que, ao se popularizarem, muitas coisas mudaram e fofocas passaram a ter uma dimensão enorme, fatos foram deturpados e tudo se tornou tão imagético, que os antigos mistérios e as mentirinhas que se contavam para se tornar mais popular, ou mais querido, ou enturmado, ganhavam uma proporção tão gigante, que se você não tivesse cuidado, poderia até ser confundido, odiado e até se tornar um pária.
Sinceramente, eu não consigo imaginar como eu seria adolescente, com todas as questões inerentes a essa idade, vivendo em um mundo onde tudo é muito entrelaçado pelos nossos likes, follows e tweets. Também admito, que na minha adolescência o maior drama que eu via era, justamente, nas séries que assistia, como One Tree Hill, Dawson's Creek, Gossip Girl e outras, que tinham o High School como foco central. Eu simplesmente achava aquilo tudo mais emocionante, mas não me identificava e achava claro que era apenas mais uma série Teen. Que era ficção.
Mas o choque de realidade veio (porque ele sempre vem), na minha primeira experiência como professora. Eu tinha meus 17 - 18 anos (ainda adolescente) e ensinava inglês em duas turmas com alunos entre 13 e 16 anos e é incrível voltar nisso hoje, porque, nem eu tinha maturidade e nem eu via como anormal como um dos alunos de uma dessas turmas, tirava sarro agressivamente de outro colega. Hoje eu sei que isso é bullying. Na época não, e achava que era só o garoto bulinado ignorar, afinal de contas, foi isso que eu aprendi também.
Anos depois, já com 21, também não achei esquisito, quando, trabalhando como guia Disney, uma das minhas passageiras se sentia desconfortável dentro do seu próprio quarto. Tanto porque ela não conhecia suas colegas e as colegas não pareciam fazer esforço para incluí-la, quanto porque ela mesma não se sentia inclusa, por questões financeiras, de auto-estima e tantas outras que eu julguei como "frescura de adolescente" e "falta de maturidade" naquela época. E de novo, eu fui na impressão e até na certeza de que era normal e lembro de tê-la aconselhado de se focar na viagem e aproveitar a si mesma e o presente que seus pais haviam lhe dado com tanto esforço.
Sorte minha (ou talvez não) que aparentemente o conselho funcionou, mas de outra forma, eu fico com a sensação embrulhante no estômago de ter errado novamente, em não enxergar claramente que nada disso é normal e nem deve ser visto dessa maneira. Hoje, essa história me assombra todas as vezes que lido com adolescentes e eles sentem que podem me contar suas questões.
Estamos tão condicionados em olhar para a adolescência como sendo aquela fase "complicada", em que os "hormônios estão a flor da pele" e que "isso passa", que muitas vezes falhamos em ver que nessa fase transitória nosso caráter se forma, nossa visão de mundo também, assim como diversos traumas podem acontecer e nos acompanhar para sempre. É nessa fase que você faz um garoto acreditar que é normal ele contar vantagem de quantas garotas ele transou. É nessa fase que você faz uma garota acreditar que é normal (e que ela deve se sentir elogiada) ao ser definida pelos peitos ou pela bunda.
Particularmente, foi nessa fase que eu aprendi que errar é ruim e que tudo tem que ser feito com perfeição (mesmo que a perfeição seja impossível de alcançar). "O segundo é o primeiro dos últimos", disse um professor meu no ensino médio e foi a cereja do bolo, numa vida ensinada (e estimulada) a não me ligar tanto nas minhas questões pessoais e me focar no que interessava, que era estudar, terminar o colégio, passar de primeira (e em primeiro) no vestibular e seguir dessa forma. Sempre com excelência, em busca do próprio rabo, numa interminável jornada que hoje passei a questionar.
Assim, depois dessa enorme introdução, me resta dizer, então, que 13 reasons why, que eu pensava ser "mais uma série teen", se provou potente, perturbadora e muito intensa. Escancarando nossos hábitos, nossas "manias sociais" e o quanto tomamos por certo nossas pré-concepções do outro. O outro é essa entidade subjetiva, que passa pela gente, mas muitas vezes não é visto como deveria, porque interpretamos que um sorriso no rosto só pode ser felicidade e que uma pessoa isolada só pode ser um desajustado social. O meio termo não parece ter espaço numa sociedade de seguidos e seguidores, em que todo mundo quer ser visto, mas não quer ver o outro.
Mas afinal de contas, o que é normal? Quais comportamentos são normais? É normal fazer uma lista com quem tem os melhores peitos, as melhores bundas e os melhores lábios? É normal espalhar boatos sexuais sobre outra pessoa, apenas para contar vantagem? É normal fazer competições com bebidas alcoólicas e considerar isso uma diferenciação de popularidade, ou não?
"Garotos serão garotos", certo?!
Pois é...
Com uma carga pesada dessas e narrada de um modo completamente sóbrio por parte da protagonista, Hannah (Katherine Langford), somos levados a compreender os motivos pelos quais ela tomou a decisão de se suicidar. Será que ela foi fraca? Será que essas 13 razões foram realmente contundentes para que ela se matasse? Em alguns momentos você se pega pensando "pera, mas ela se matou por causa disso?!" e logo depois se toca, "sim, ela se matou por causa disso!", por causa disso e por causa de outros 'dissos' há mais, que levam a gente até reavaliar nossas próprias percepções, além de querer saber porque o Clay (Dylan Minnette) demora tanto tempo para querer desvendar todos enlaces. Mas acho que as doses homeopáticas de cada fita e cada episódio têm muito a ver com entender o que realmente aconteceu, e assim termos tempo de decantar e conhecer cada um dos 13 lados dessa história, cada um dos 13 envolvidos e ver uma mistura de lembranças, sentimentos, ímpetos, presente e futuro.
Mas para quê serve ver algo tão perturbador assim? É de verdade um tapa na cara, é um chamado para que a gente passe as aparentes certezas e realmente olhe para o outro e queira conhecê-lo. Sem amarras, sem pré-concepções, sem pré-definições. Afinal de contas, como Hannah deixa claro, pequenas coisas importam e importam muito.
Sem uma segunda temporada certa, pra gente fica aquele gostinho de que algo precisa ser feito. Então que tal fazer algo na nossa realidade de fato?
P.S: Que trilha sonora foda, gente!
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