(des)Engaiolado

Montada em um falso plano sequência, "Birdman" é uma ácida crítica à Indústria Cinematográfica hegemônica e guarda diversas surpresas positivas para quem assiste a este filme sem tantas expectativas e se deixa levar por essa esquizofrenia contemporânea, representada pelo protagonista.

Frederic Jameson tem uma forma muito única de explicar a esquizofrenia pós-moderna, mas primeiramente quero deixar claro que o uso desta palavra aqui, está em conformidade com uma intenção descritiva e não diagnóstica (mesmo que no caso do filme este segundo até seja possível). Para este teórico da contemporaneidade, o esquizofrênico é um indivíduo que vive em um presente perpétuo e por conta disto não consegue se reconhecer em sua própria identidade pessoal, visto que o sentimento de identidade depende do "eu" e de "mim" através do tempo. (JAMESON, 1985; p. 21 a 23, grifo nosso). O "eu" que se perde atráves de uma identidade que não se reconhece em lugar nenhum e que se perde em reinterpretações ralas de si mesmo. Este é "Birdman". Ou melhor, este é Riggan Thomson (Michael Keaton), um homem que no passado fez sucesso (muito sucesso) ao incorporar um personagem dos quadrinhos, chamado Birdman. Antes do quarto filme da franquia, Riggan disse não e por isso acabou vendo sua carreira desabando.
Sempre lembrado como o personagem que o colocou no hall da fama, Riggan só queria uma oportunidade para mostrar que é um ator de verdade, por isso mesmo entra de cabeça (e com boa parte do dinheiro que conquistou no auge da carreira) em um novo projeto. Desta vez no teatro e interpretando um clássico da dramaturgia norte-americana "What We Talk About When We Talk About Love". Assim, em meio aos ensaios  com o elenco formado por Mike Shiner (Edward Norton), Lesley (Naomi Watts) e Laura (Andrea Riseborough), Riggan precisa lidar com seu agente Brandon (Zach Galifianakis) e ainda com a sua própria esquizofrenia.

A primeira e notável questão presente na obra, é a forma como somos conduzidos dentro desta história: com uma forte e decisiva influência de "Festim Diabólico" de Hitchcock, vemos um falso plano sequência, onde a câmera não para, ao mesmo tempo que parece que estamos lidando com apenas uma câmera. Uma solitária câmera, que tem acesso a tudo e que nos direciona para o que está acontecendo de mais importante. Esta dinâmica câmera nos leva junto em um passeio através dessa condição que todos os atores envolvidos ali parecem enfrentar: até que ponto a atuação é a sua carreira e até que ponto atuar se torna a sua vida.
Tanto Riggan, quanto os outros envolvidos na produção são indivíduos que optaram por esta carreira por diferentes questões, além disso, eles mesmos se questionam continuarmente sobre as dicotomias de "popularidade e prestígio" e "amor e admiração", que norteiam a construção do filme. A primeira está presente durante as cenas entre os atores, sendo um verdadeiro desfile de egos, inclusive durante a Guerra Fria entre Riggan e Mike; a segunda é abordada através da filha de Riggan, Sam (Emma Stone) e sua ex mulher, que tentam ser as vozes de normalidade ali, o que deu à Emma uma excelente oportunidade de explorar um quê artístico que ainda estava adormecido na atriz. Conhecida por seus papéis na comédia-ácida, Emma encarna de modo importante o papel de "pobre filha rica e incompreendida de uma celebridade", correspondendo à altura a mais um dos clichês que são criticados na obra.

A marcação da edição, tão bem coordenada, é um som constante de bateria, que se tornam detalhes extra-campo, muito sabiamente editados e presentes, mas também estão em completa conformidade com o clima quase sufocante da tal câmera que não para. Por conta disso, o filme dá uma aula de pós-produção, o que é importante ser ressaltado.
Importante também, é pontuar a atuação de Keaton, que nos envolve por completo na pisquê esquizofrênica de seu personagem e dá uma importante abertura para que fiquemos confusos junto com ele, que entendamos as suas atitudes (mesmo que não concordemos) e ainda compremos essa sua necessidade em reencontrar a si mesmo. A atuação de Keaton, somada a direção de Alejandro González Iñárritu e multiplicada pela excelência por trás da pós produção, fazem desse filme muito mais do que um forte concorrente ao Oscar: faz dele um campeão atemporal e que será um futuro clássico do cinema do séc. XXI.
Pitacos: Liderando as indicações deste ano, com 9 possíveis prêmios, "Birdman" é o filme para desbancar, juntamente com "Boyhood". A película concorre à, entre outros, Melhor Filme, Melhor diretor, Melhor ator, Melhor ator e atriz coadjuvante e Melhor Roteiro Original. Entre as nove categorias, vejo Birdman como um forte concorrente a cobiçada estatueta de Melhor Filme, Melhor ator e Melhor roteiro Original. Fiquei chocada por ele não ser um concorrente em Melhor Edição, mas pelo menos está correndo por Melhor Edição de Som, o que já alguma coisa. Não é o meu favorito na Melhor Mixagem de Som (esse já é Whiplash) e nem de Melhor Ator (esse já Eddie, ou Bennedict). Em atriz coadjuvante, Emma está ótima, mas está concorrendo com a favorita Patricia e a eterna Meryl. Em ator coadjuvante todas as minhas torcidas estão concentradas em J.K Simons. Quanto a fotografia, O Grande Hotel Budapeste é o meu fav. A maratona continua...

Referência:
JAMESON, Fredric. Pós Modernidade e Sociedade de consumo. Disponível em: http://migre.me/bfuNs acesso em 19 out. 2010.

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