Especial Bonequinha de Luxo - Parte I

A Holly que vai Levemente


"Ao criar Holly, Truman descobria que, embora tivesse muitas qualidades das mulheres que ele conhecia, ela era diferente de qualquer mulher que que havia encontrado. Ela dizia o que queria, fazia o que queria e ao contrário dos cisnes, se recusava terminantemente a casar e assentar." (Sam Wasson)


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Capa do livro em sua comemoração de 50 anos.
Em meados da década de 50, Truman Capote escrevia o célebre romance Bonequinha de Luxo que, não só deu a ele a imortalidade literária, como deu a Audrey Hepburn o papel de sua vida e à mulher pós-moderna ascendente um motivo para se orgulhar de ter uma vida diferente e de levantar um causa (com classe), até então considerada underground.
Antes de entrarmos mais profundamente no que é ser Holly, é preciso entender o que ERA ser Holly naquele tempo. Estamos falando da década de 50. Período pós-guerra e inserido em um contexto de bipolaridade, em que os estadunidenses temiam deliberadamente uma invasão bolchevique.
Além disto, a sociedade estava voltando a se estruturar e certas definições sociais precisavam ser reafirmadas. O que significa que de repente aquela mulher que durante a Segunda Guerra precisou vestir calças e prover pela sua família, enquanto o marido estava nas trincheiras, era recolocada na cozinha delimitando o que poderia ou não fazer.
Já no cinema, ou você era uma Doris Day ou uma Marilyn Monroe. As mocinhas não faziam sexo (Doris). O que implicava que sexo era algo que só as Femme Fatales (Marilyn) e Vilãs faziam e no final destas histórias elas se arrependiam e concluiam que o melhor lugar para estar era dentro de casa.
Enquanto os Estados Unidos estavam em guerra com os seus impulsos mais naturais, endemoniando cada pequeno traço que remetesse ao sexo ou a liberdade dele, Truman Capote andava com seus cisnes para cima e para baixo. Cisne era como o escritor chamava suas amigas da alta sociedade do país, aquelas socialites que pareciam ter a vida perfeita. Porém, o que Capote pode perceber era que na verdade suas vidas eram tristes e infelizes, principalmente no quesito amor.
Baseado nas vidas destas mulheres e com uma pitada do que a sua mãe sonhava em ser e alcançar, Capote começou a criar o esboço do que viria a ser Holly Golightly.
Em Bonequinha de Luxo, Capote escreveu sobre uma Holly que tinha 18 anos, era magricela, sincera de mais, dona de um gato que se chamava Gato e que vai (go) de homem em homem levemente (lightly). Era uma prostituta de alta classe, livre para decidir e ser o que bem entendesse. Era o reflexo de uma mulher sedenta por autonomia. De poder cortar o cabelo quando/como quisesse e falar de transas abertamente com suas amigas.
Holly era tudo isso e ainda tinha o companheiro perfeito para ela, seu narrador sem nome e Gay. Aqui, vale ressaltar que a relação de Holly e "Fred" (como era chamado por Holly) era do tipo platônico. Eles não e desejavam carnalmente, financeiramente ou mesmo romanceadamente. Apenas queriam estar um com o outro. Sem qualquer uma das amarras sociais pré-impostas (como o casamento), os dois podiam se amar livremente e ternamente.
"Ao desafiar a santidade do domínio heterossexual, Capote sugere que os rigores de gênero podem não ser tão enriquecedores quanto o romance  entre um homem gay e uma mulher hétero. Isso não porque ele acreditasse que relações platônicas fossem o ideal, mas por achar que ser como as esposas americanas de 1958 era ser um eufemismo de prisioneira." (p.88).
Holly, "Fred" e toda a lógica em torno da história de Bonequinha de Luxo parecia mais do que aquela sociedade estava preparada para aceitar. Ou será que não?!
Quando terminou o romance, Capote tentou publicá-lo (duas vezes) pela Haper's Bazaar, porém os editores acharam o romance e principalmente a sua heroínas risqués demais para a revista. E Bonequinha acabou sendo publicado pela Esquire, uma revista em ascensão e que pagou gordos 3mil dólares pela história.
Logo o romance virou um sucesso, mesmo que entre aqui e ali ele recebesse críticas negativas, o estilo e a acidez bem dosada de Capote eram reconhecidos e aclamados. 
Entre as mulheres, tanto as da alta classe, quanto as moçoilas que vinham de vários cantos do país tentarem a sorte em Nova York, todas queriam ser Holly. Queriam viver aquela liberdade sexual, andar pela cidade às cinco da manhã comendo um begel, vestindo preto e admirando a Tiffany's. Holly podia até ser uma "mulher da vida" mas ela tinha um je ne sais quoi que lhe inspirava glamour e tão sonhada liberdade.
"Não que Holly fosse uma polemista. Ela nunca subiria num caixote para defender nada que não fosse se divertir. Mas em seu leviano amor pela individualidade, quer saiba, que não, Holly ressoa com o fervor de uma nova geração." (p. 94)
Geração esta que foi surpreendida anos depois com a adaptação cinematográfica do romance que teve como estrela principal uma das atrizes mais virginais da época: Audrey Hepburn.


*Texto em que foram tiradas as citações: "Quinta Avenida, 5 da manhã: Audrey Hepburn, Bonequinha de Luxo e o surgimento da mulher moderna" de Sam Wasson e da editora Zahar. (presente das lindas Maddie e Lora)

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