É bem possível que você já tenha ouvido alguém de mais idade, como seus pais, ou avós, comentando como as coisas, antigamente, pareciam durar mais. Bem, se você já ouviu isso, pode ter se questionado: "mas seriam as coisas que duravam mais, ou será que tínhamos menos dinheiro?". Trata-se de uma pergunta bem básica, na verdade, especialmente se você parar para pensar em como é fácil comprar o que queremos, quando queremos e do jeito que pudermos.
Sobre isso e muito mais, o documentário The True Cost trata. Também buscando esmiuçar a complexa cadeia (e teia) a qual essa sensação dos nossos avós e dos nossos questionamentos se colocam.
Uma vez, experimentando um vestidinho de verão que eu achei por meros R$20,00 numa dessas grandes lojas de departamento, eu fiquei pensando: "que caminho será que esse vestido tomou, até chegar aqui e por esse valor?". Nesse dia eu me perguntei isso, porque tinha visto uma notícia, numa dessas tvs que ficam dentro dos ônibus, sobre uma moça que teria encontrado um bilhete de denúncia de más condições de trabalhos dentro de uma calça jeans. Confesso que na época o pensamento passou pela minha cabeça, mas foi embora rapidamente, enquanto eu me admirava usando aquele belo vestidinho.
Vestido este que eu não uso há uns três anos, mais ou menos, sendo mais uma daquelas peças intocadas dentro de um guarda-roupas abarrotados de roupas que eu nem lembro quais são, mas ok, porque elas custaram algumas notas de R$10,00.
Triste, mas verdade.
Só que aí, desde que esse bilhetinho na calça jeans cruzou o meu caminho, outras várias notícias sobre trabalho inumano em países da Ásia, ligados à indústria da Moda começaram a me chamar atenção e logo eu estava me inteirando do assunto e até tenho me tornado uma ávida defensora do Slow Fashion, de comprar em brechós e dar preferência para roupas feitas sob medida por uma costureira. Isso quer dizer, que de uns tempos para cá, eu fui me tornando um pouco mais consciente no que se diz respeito à o que consumo e da maneira de consumo, mesmo que uma vez ou outra eu caia em tentação com aquelas lindas letras pregadas em uma vitrine; L-I-Q-U-I-D-A-Ç-Ã-O.
Fora que morar sozinha também trouxe esse desafio de cortar gastos em supérfluos para gastar com necessários e administrar um lar com um dinheiro certo por mês. O desafio, na verdade, foi o de perceber como os necessários são muito mais caros que os supérfluos e ainda assim optar por gastar o meu dinheiro com os necessários!
Devo dizer que não fazia ideia do motivo disso, especialmente porque na minha cabeça, se algo é essencial para a subsistência, como, sei lá, feijão, ele precisa estar a um preço o qual todos possam pagar e não custando o mesmo que aquele vestidinho lindinho de verão.
Pobre de nós que não temos ideia do que está por trás desse vestidinho e o motivo dele custar o mesmo que um quilo de feijão, mas se você tiver vontade de descobrir, o trabalho mais recente do diretor Andrew Morgan, The True Cost, tenta se aprofundar nos enlaces dessa indústria que, pasmem, é a que mais gera lucros no mundo.
Se é a que mais gera lucros atualmente, porque, então, tem tantos problemas estruturais em sua base de produção e no que é feito dessas roupas intocadas?
É um paradoxo que consegue ser ainda mais complexado conforme ficamos cientes de como todas as partes estão conectadas de maneira à construir uma lógica de funcionamento praticamente intocável, que vai desde a agroindústria, passa pela mão de obra terceirizada, se aprofunda na publicidade e na venda da moda como lifestyle, até desembocar nas milhões de marcas em suas lojas no mundo todo, onde nós, ávidos consumidores vamos lá e consumimos, até que não queremos mais e jogamos fora, ou doamos (o que é basicamente a mesma coisa).
E o documentário de Morgan passeia por todas essas partes, entrevistando gente que é obrigada à vender sua mão de obra barata, para poder sobrevier; gente que precisa modificar a forma de fazer agricultura, para que tenha uma chance de vender sua produção para grandes marcas; gente que procura entender porque o fetiche da mercadoria está tão exacerbado, apostando que a publicidade afetiva, juntamente com o capital emotivo é o que causa em nós a dependência do consumo; pessoas que estão tentando fazer a diferença, com iniciativas voltadas para a produção sustentável, com melhores condições de trabalho e, claro, trabalhadores têxteis que se recusam a aceitar as condições de trabalhos impostas, exigindo melhorias e muitas vezes se colocando em situações de risco.
Misturando cenas de arquivos, imagens de câmeras de segurança, depoimentos e de publicidade, Morgan constrói o seu argumento contra a indústria de Fast Fashion, em cima do que vai descobrindo, assim como como acontece conosco, que por muito tempo ficamos no escuro, mas que talvez precisemos começar a fazer algumas perguntas mais cabeludas.
Ou talvez, como propõe uma das entrevistadas, começar a fazer perguntas éticas, certas e simples, como "de onde essa peça veio?", "quem a confeccionou?", "essa marca usa trabalho escravo?", "será que esse vestidinho de R$20,00 não custou a vida de alguém?".
Se você quer mudar a sua forma de consumo e quer tomar mais responsabilidade por aquilo que compra e pelas marcas que sempre consome, uma boa dica é baixar o aplicativo Moda Livre, que tem por objetivo informar se aquela marca já foi acusada por uso de mão de obra escrava, bem como se tem alguma avaliação negativa quanto a conduta de produção. Saiba mais sobre o app aqui.
*The True Cost está na minha lista de 24 filmes para 2016, proposto pelo Blogs que Interagem, na categoria Moda.
Um comentário
Quando vejo uma peça muito barata, que nem o vestido que você citou, já olho a etiqueta de fabricação (muuuitas vezes China) e já fico pensando na mão de obra barata, quanto a pessoa que fez a peça ganhou, isso se ganhou alguma coisa. Fiquei bastante interessada no documentário. Acho que tem cara de ser daqueles que depois que a gente assiste nunca mais consegue comprar nessas lojas. Não conhecia o aplicativo, vou baixar pra dar uma olhada.
Beijos!
Vestindo o Tédio
Postar um comentário