Um belo filme sobre encontrar o seu lugar, lutar por ele e se levantar sobre tradições, criando novas, ou mesmo transformando-as. Esse é A Encantadora de Baleias.
Assim como acontece em várias culturas tradicionais, a figura de um grande líder, que foi à frente de um povo inteiro, levando-os para uma nova e melhor vida, é cultuada e valorizada pela tribo Maori de Pai (Keisha Castle-Hughes). E assim como, também acontece em várias culturais tradicionais, essa liderança é passada como direito de sangue e hereditariedade.
A tribo de Pai vive no leste da Nova Zelândia e acredita que seu ascendente, Paikea, domou uma baleia, cavalgou-a e liderou seu povo até um local bom para morar. Essa mesma tribo, crer que o primeiro filho do chefe da tribo seria considerado descendente direto do Paikea e, por isso, líder espiritual do povo. Com a morte de seu irmão gêmeo no parto, Pai seria essa descendente, mas o tradicionalismo, especialmente representado por seu avô Koro (Rawiri Paratene), insiste que essa liderança deva ser passada para um homem.
Entre muitos encalços, Pai vai construindo o seu lugar para conquistar o que seria seu por direito, mas que lhe foi negado por convenções questionáveis. Também vai crescendo de modo claro, quando se impõe em busca do destino que quer pra si. O longa acompanha esse período na vida da personagem e dos próximos a ela.
Talvez um dos grandes trunfos narrativos de A Encantadora de Baleias, seja o fato de que, ao contrário do que normalmente acontece em filmes sobre alguma tradição milenar, aquela que foi 'escolhida' para assumir tal responsabilidade, na verdade quer a responsabilidade e aceita abraçá-la, enquanto que normalmente nos deparamos com longas os quais a tradição é imposta à quem não a quer de verdade. Isso cria uma certa inquietação, porque há uma quebra de expectativa, mas é claro para nós que o lugar de Pai é ali.
Outra questão que chama muito a atenção no filme, é a potência de Keisha Castle-Hughes (no ano em que o filme saiu, foi indicada ao Oscar, por exemplo), que convence como uma personagem espirituosa, potente, líder e ousada, principalmente nas trocas de olhares com o seu avô e nas certezas que emprega no gogo. Pai realmente pertence àquele posto, muito mais do que podemos imaginar nos primeiros minutos do filme.
Apesar de ter vários momentos previsíveis na história, ela pode ser observada com bastante curiosidade, uma vez que serve para nos depararmos com uma cultura completamente diferente da nossa. Fora que é de se ver com olhos atenciosos a beleza daquele lugar, repleto de natureza e com uma população que, mesmo contaminada por tecnologias e novidades, preserva muito de suas raízes, o que é sabiamente transmitido nos enquadramentos e na fotografia do filme.
Niki Caro, diretora neozelandeza que já fez diversos filmes com a temática feminina, como Terra Fria (estrelado por Charlize Theron), está claramente à frente da forma como Pai é apresentada a nós. Temos certeza da conexão que ela tem com aquela terra, aquele povo e como ela representa o preciso e importante balanço que existe na importância de tradições serem repensadas e adaptadas para o "novo mundo".
Ao final, o filme A Encantadora de Baleias é o tipo do filme que você deve assistir, mesmo que se for uma criança. A mensagem propagada nele, assim como a beleza das imagens guardam significâncias importantes, inclusive sobre o papel da mulher na contemporaneidade, seja ela uma nova iorquina antenada e moderna; seja ela uma maori inserida numa realidade tradicional e de crenças antigas.
A Encantadora de Baleias está na minha lista de 24 filmes para 2016, proposta pelo Blogs que Interagem, na categoria Filme Estrangeiro.