Gente assim tem em todo lugar

Tudo começou, quando eu li um comentário no Globo Play que dizia "Nossa, mas só tem gente ruim nessa novela!". Fiquei pensando sobre e, por coincidência, no mesmo dia estava vendo a série Glow do Netflix, em que, num determinado episódio, uma das personagens questiona o diretor do programa porque ela deveria aceitar ser a vilã. É quando ele diz: "O diabo tem as melhores falas". 
Como duas peças que se encaixam, o comentário dessa pessoa, com a fala desse personagem, me peguei pensando sobre o que significa ter uma novela como O outro lado do Paraíso, no horário o qual ela está e falando com tanta tranquilidade de comportamentos do dia a dia, mas que de repente, ao serem expostos na tv são vistos como "coisa de gente ruim".

Complexo isso, sendo assim e tendo em vista ainda o pouco tempo que a obra se iniciou, arrisco dizer que ela já mostrou a que veio, expondo comportamentos enraizados e naturalizados na nossa sociedade. Expor é, de fato, a palavra certa, porque no trabalho de Walcyr Carrasco, quem questiona é visto como moralista, por quem é questionado, e se acaso questiona de um lado, é muito capaz de reproduzir outros padrões, em outras situações.
E como o leque é abrangente, O outro lado do Paraíso tem espaço para o que precisar ser revisto, cutucado, incomodado e falado. Desde o machismo, diferenças de classe, homofobia, até racismo e preconceito de altura, causando coceira com a naturalidade com que os personagens falam dessas questões. "Ah, ela não obedeceu o marido tinha mesmo que apanhar!"; "Mulher minha não faz isso..."; "quem vai se apaixonar por uma anã"; "Meu filho é macho!"; "Imagina eu, tendo um neto preto!"; são algumas das frases pescadas ao longo dessas semanas de novela. É de deixar a gente de cabelo em pé e, como o comentarista no Globo Play disse, achando que só tem gente ruim ali. 
Mas não é bem assim.

A maioria desses personagens ficam pairando no espectro do cinza, onde o simplório preto no branco não dá conta. Todos eles têm fraquezas, tem limitações, tem crenças e até algum tipo de preconceito e é a partir de situações corriqueiras que isso aparece, sendo talvez aí que more a impressão de que é todo mundo ruim, porque no dia a dia, as pessoas não percebem o quanto podem ser "ruins". Desse jeito, então, é impossível não lembrar de alguém, ou mesmo ver claramente um ser humano retratado ali, condicionado pelo meio e muitas vezes sem a menor força de continuar lutando, ou mesmo não perceber que está sendo uma pessoa "ruim". 
Num prisma bastante amplo de hipocrisias e pressões sociais, o ritmo da novela não me parece ser ditado pela mocinha que voltará em busca de vingança, mas por quantas vezes ficamos chocados com a tranquilidade com que subornos acontecem, preconceitos se reproduzem, machismos se proliferam e o quanto estamos acostumados com algumas dessas coisas. Tem que se escandalizar, tem que se chocar e tem que fazer algo para mudar isso! Olha que contribuição linda que essa história pode trazer, se isso acontecer?!

Então na lógica de espantar e fazer a gente repensar algumas coisas, muito mais do que discutir em cena, O outro lado do Paraíso tem dois caminhos a seguir; enriquecer seus personagens, além dos seus enredos, criando continuidade a exposição que têm feito, ou se perder no marasmo de tantas outras obras da teledramaturgia brasileira, em que a vingança de Clara (Bianca Bin) é a única força motriz da história. Torço muito pela primeira opção.