O escorpião

Já tinha um tempo que eu queria ver esse filme. Ele ostenta, em geral, ótimos feedbacks e, claro, existia a inegável vontade de ver a brilhante Carey Mulligan em ação. Então eu fui lá no netflix e assisti Drive.

A primeira coisa que chama atenção no filme é o silêncio do motorista sem nome, interpretado por Ryan Gosling. Sem deferir grandes diálogos, especialmente na primeira sequência do longa, O Motorista nos conta sobre a sua vida através de seus olhos e do sempre presente palito entre os dentes. Além disso, sua óbvia predileção por ambientes automobilísticos é o tempo todo reforçada, tanto pelo trabalho do personagem, quanto pelas cenas em que ele parece evoluir e se revelar pra gente. O fato do personagem de Gosling não ter um nome definido e ser chamado de 'piloto', 'motorista' e 'dublê', só engrossa o coro de que é um indivíduo que vive para o que faz, que é dirigir.
Está certo que esse ciclo sofre um abalo e se modifica um pouco, mas apenas quando O Motorista conhece Irene (Mulligan), sua vizinha, que é casada com um presidiário e tem um filho pequeno. Eles se sentem atraídos um pelo outro, mas com a iminente saída de Shannon (Bryan Cranston) da cadeia, eles terminam. Mesmo assim, a consideração do Motorista por Irene e seu filho é imensa, de modo que ele não pestaneja em ajudar Shannon a proteger sua família.

A segunda coisa que chama atenção em Drive, é que para um filme de ação, suas cenas são bastante alongadas e sem muitos momentos picotados, nem mesmo em cenas de perseguição, tiroteios e de violência pura. Os personagens são, na verdade, enfatizados nessas cenas e a câmera prefere olhar para eles, ao invés da ação que está acontecendo, o que também 'quebra' o gênero, transformando-o numa obra que se parece com um filme noir, mas sem tantos enquadramentos enegrecidos.
Na verdade, os enquadramentos são particularmente notáveis. Uma vez que o diretor Nicolas Winding Refn apostou em contar esta história também com esse recurso, encaixando os acontecimentos em planos médios, em que as expressões e os olhares são enfatizados; e planos detalhes, onde esses personagens crescem pelo que estão fazendo, não pela violência que infligem. Grande parte da violência, na verdade, se passa no extra-campo. Vemos em diversas cenas a organização de um quadro em que todos os personagens daquela tomada aparecem (o que me lembrou um pouco Cidadão Kane), de modo que é possível ver todos e acompanhar as suas diferentes reações a um mesmo momento.

Além dos enquadramentos, Refn deu espaço para que a fotografia brilhasse, dando um tom estranhamente poético e terno para uma história de assassinato e roubo. As cenas são banhadas por muita luz natural, durante o dia e luzes artificiais durante a noite, sendo que nos momentos de grande violência, o aspecto artificial da luz é enfatizado, já que a iluminação branca toma conta. O sol está presente nas alegrias e o amarelo mostra a clara tendência do Motorista em se envolver naquilo que lhe faz bem, como Irene e seu filho. 
Interessante notar como Carey conta para nós quem é Irene. Ela enfatiza o olhar distante e quase melancólico de uma mulher que passou longos anos à espera da saída do homem que ama, que em certo ponto passou a se questionar se o ama mesmo. Suas mensagens dúbias e potentes são basicamente enfatizadas pelo seu olhar e seu sorriso, que nunca temos certeza se é de felicidade, ou uma profunda tristeza pela vida que leva. Incrível como sempre.
Com todos esses elementos, Drive cresce na tela e prende pelo suspense que vai criando, envolvendo a trama (que apesar de simplória é lindamente contada) e o destino desse piloto sem nome. Pelo filme, a gente fica pensando que os aspectos técnicos, como todos esses enfatizados até aqui, servem para legitimar o trabalho dos atores e do diretor, o que torna Drive um filme imperdível. E a sua presença como quebra do estilo a partir de uma montagem instigante ganha espaço nas indicações da vida.

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